III
A explicação
A explicação
Ainda não pensava no motivo de não ficar paralisado como o resto da turma. As aulas continuavam e, com elas, o zunido. Os professores passavam a matéria e suas palavras encobriam as sensações de meus colegas. A estranha normalidade era sórdida. O tímpano de orquestra iniciava a sua ronda, os sons de cello atravessavam obliquamente as salas e os corpos se faziam receptivos ao conhecimento. Em nossos encontros de recreio, conversavam normalmente sobre temas atuais.
O mais estranho de tudo era a normalidade. Todos transpiravam saúde, alegria e sabedoria. O conhecimento se expandia e as notas melhoravam. Depois de poucas semanas o Colégio vencia gincanas de conhecimento e se destacava em feiras de ciências.
Eu continuava sem saber como o zumbido não fazia efeito em mim. Depois que notei que minhas notas pioravam porque o nível dos outros melhorara consideravelmente, resolvi manter segredo para minha prima. Poderia ser que, se começasse a contar sobre os sons da aula, ela ainda me proibisse a música.
Aliás, foi numa aula com Zuya que entendi como fugi da hipnose. Estávamos tocando um dueto quando perguntei:
- É possível ignorar sons?
- Claro, lembra o jingle que você não ouviu esses dias?
- Hm. Lembro.
- Você filtrou ele dentro da sua mente. É como alguém selecionar o que deseja ouvir. Por exemplo, toca a escala em dó.
Eu arranquei no solo de guitarra. Ele tocou ao mesmo tempo outra coisa diferente.
- Notou que você precisou se concentrar no som de sua própria escala para poder tocá-la?
Eu levantei a cabeça.
- Da mesma forma, você ignorou o que eu toquei, porque escolheu ouvir o que você estava tocando.
***
O rumo diferente
Para não cortarem minhas aulas de música, decidi encontrar a fonte do som da hipnose. Prestei atenção o mais que pude no som. Foi quando vi diversos tubos de vidro pelos quais o som passava. Eu os transgredia como espírito ultrapassando paredes, até chegar num lugar escuro. Só a luz de uma lâmpada fraca iluminava o salão enorme onde me encontrava. Pelo ar gelado e obscuro vinha o conhecimento em vácuo. Quando acordei, vi que era manhã de um dia abafado e quente.
Ao fim das aulas, me escondi no banheiro. À procura de pistas comecei pelo andar superior do colégio. Passei abaixado pela secretaria e subi as escadas. De uma porta no meio do corredor escutei chaves. Abaixei-me. Ouvi a porta ser fechada e passos rápidos em minha direção. Me adiantei aos passos e, de cócoras, corri escada abaixo. No corredor do andar de baixo me esperaria a secretária, quando senti aquela mão forte em meu ombro. Sem nenhum som, me esquivei e vi Artur, me chamando! Aliviado, subi com ele a escada, até a porta da qual havia ouvido as chaves, que Artur conseguira de um amigo seu da fanfarra. Era o salão de instrumentos da fanfarra que ele me apresentou.
Nunca havia estado ali. Em panos, cofres e malas de diversos tamanhos todos os instrumentos da fanfarra dormiam o sono do fim de tarde, espalhados ao longo da sala comprida, de paredes brancas, afim de serem usados mais tarde. Uma cortina branca separava outra sala mais ao fundo. Abri-a e surpreso avistei, ajuntados ao fundo da sala, um par de tímpanos. Estes instrumentos tão pouco usados em orquestras não-sinfônicas me lembravam o toque de entrada do zunido. Meu coração palpitou. Artur, sem mais, fechou a porta e desligou a luz.
Alguns segundos se passaram até que a porta da sala se abriu e o diretor da fanfarra entrou. Queria buscar alguns instrumentos e foi em direção à cortina atrás da qual eu e Artur nos escondíamos. Os panos da cortina se abriram num rasgo e o seu rosto pálido procurou por algo.
Escondidos debaixo de lençóis tentamos conter nossas respirações, vindo apenas a agravar mais. Arfantes, nossos peitos suplicavam por mais ar. O diretor parecia não haver encontrado o que procurava e saiu sem fechar a porta. Logo depois entraram na sala os integrantes da fanfarra. Foram recolhendo cornetas, caixas, claretins, pratos e surdos. Pudemos sair sem que ninguém nos notasse.
Depois daquele dia quis logo entender o motivo de os tímpanos estarem escondidos e tentei falar com o diretor da fanfarra. Depois de diversas tentativas, nos encontramos. O diretor desconhecia tais instrumentos e, pálido, me perguntou se queria participar da fanfarra. Agradeci, não aceitei o convite, não tinha tempo.
Por outro lado, Artur entrara na fanfarra. Não havia mais nada que estranhar a esta altura do campeonato. Porém, quando ele sumiu, decidi aprender a tocar caixa, para saber o que se escondia por trás da fanfarra.
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