30 de abril de 2008

O AMOR IRREVERENTE

dedicado a Marcus Salgado

O mago saltou do metrô e saudou: „Olá, como vai? E John? Mande recordações a ele, sim?“

A reação atônita da pequena Marjorie, a promessa de dar as lembranças, a porta do metrô fechando-se, este continuando sua rota: tudo isto aconteceu diante das reverências exageradas de Burdon, cartola na mão, as orelhas de seu coelho aparecendo.

Burdon! No vagão ela acordou do sonho acordado, soluçando, os olhos úmidos. Era novamente tarde demais. Na vista mareada se misturavam as últimas cenas com as coisas sem importância que passam no túnel subterrâneo.

Há um mês atrás, no pub, Burdon se mostrara tão interessado. Bebiam vinho de maçã junto de amigos. Quando a terceira rodada de copos vinha no antebraço musculoso da garçonete, o coelho saltou da cartola de Burdon, ganhando os aplausos de todas as mesas. Os ruídos das mesas cheias cobriam as suas vozes. Assim, ninguém reparou nos dois. Mais tarde um grupo de jovens alcoolizados seria visto saudando-se com reverências. Entre eles, Burdon e Marjorie. A risada alegre dela ecoava pelas aléias e pátios marrons.

Numa manhã estava ele numa padaria a tomar o desjejum. Vendo Marjorie passar, cumprimentou-a: „Olá? Onde vai? E John?“ Depois de um momento ela diria não ser possível falar de John, pois ela não seria sua companheira, nem nunca havia sido. Burdon pediu desculpas emudecendo. Não gostava de diálogos e sentiu vontade de deixar Marjorie. Enfim fugiu, sem nada dizer.

Ao amanhecer Marjorie foi vista atrás dele. Talvez apenas uma sombra matutina distante dele, por entre pátios universitários e árvores grandes, ela fazia jogatinas sobre qual direção ele tomaria. Poemas arpejavam em melodias douradas pelas sombras e nuanças de dias de sol vividos em jardins ingleses.

E, de tanto brincar, numa esquina perdeu o amado. Lógico que era tarde quando, só, sentiu que o amava. O mago, invísivel, proclamou que viveria sempre à noite e que Marjorie fizesse magia neste estilo longe dele, que magia não combinava com amor. E que ademais amor só atrapalhava o artista que se prezasse. Ela já nem procuraria mais e ficaria no seu canto, a chorar: por fim de ofegante a sua respiração se tornaria lenta, indiferente.

Assim o foi até quando o coelho de Burdon decidiu intervir. Era noite de apresentação e o mago ficou perplexo, não o achando na cartola. Então a magia lhe disse adeus e ele ouviu as queixas e vaias do público. Pro olho da rua, seu mago de meia-tigela.

Era manhã. No quarto de Marjorie pedras perfumadas, new age e trilha sonora de desenhos animados estilo evergreen, calmos. O coelho demorou a ser reconhecido, parecendo se esconder entre os bichos de pelúcia. Conseguiu chamar a atenção de Marjorie mordiscando-a. Saiu janela afora e ela o seguiu pelas travessas e ruas de Soldempdon, dentro do metrô e ônibus, o povo a chamando louca-olha-por-onde-anda, até chegar em um bosque.

Era meio-dia e numa clareira Burdon lamentava a perda do coelho, quando a reconheceu. Ela se deitou e arranjou sobre seu ombro. O toque das suas mãos nem apagou a luz do sol. Só uma cornucópia cresceu de suas cabeças.

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