23 de novembro de 2011

Armas quentes


 Reinardo é pai de uma filharada, fazendeiro. Empunha rifle para caçar e acerta em cheio. Acertava. Agora que cegou...

Quando fora abrir o campo pela primeira vez, viu que tinha vespa da dourada. Já tinham dito a ele, mas ele lá queria saber? Cabeça dura, escolheu o chão da sua fazenda a dedo e não seriam essas pragas que dificultariam sua vida. Osso duro de roer era, sabia que essas eram das que matavam, muito perigosas para uma fazenda. Reinardo pôs fogo no mato e o vermelho se espalhou pelas imediações. As vespas sumiram, nada mais se soube delas. Mas Seu Genardo da fazenda vizinha não gostou nem um pouco da queimada que acabou matando algumas cabeças de gado.

A Reinardo visitaram ajudantes e capangas de Seu Genardo. Mas assim como foram, um por um, voltavam, atiçados, ou nem mais voltavam, por medo que perderiam o emprego. Um deles até partiu dessa pra uma melhor, de preocupação e coração. Não era de se surpreender que Reinardo logo foi perseguido por profissionais.

Ora, esses vão aprender, disse. É que Reinardo, além de ter olhos de águia, manejava bem demais sua espingarda: Matador seguia seus passos. Reinardo deixava-o chegar perto. Matador chegava no cangote de Reinardo, achando graça. Mas Reinardo era sábio demais, sabia a hora. Matador levantava arma, Reinardo empunhava antes e acertava na testa.

Assim foi. E assim o será, diria, se não chegasse o outono. Outono da vida. Reinardo completou 50 anos, e daí em diante, só complicou. Sua esposa enfraqueceu, cansada das brigas por ciúmes de Reinardo, que vivia pulando muro. Os filhos já na maioridade, sem querer saber nada da fazenda. Depois, depois de muitas advertências e brigas, sua filha preferida fugiu de casa, desejando a ele tudo, inclusive cegueira.

Dores e a maldita da pinga , depois berreiros e psicoses. Até se dizia que, se Reinardo tivesse falado mais antes, iria hoje se ajudar um pouco. Mas não, era caladinho. Estou fraco, já não sei quem chega e nem sei quem vai, pensou.

Pelo caminho de casa, sua filha voltava. Depois de anos sem ver o pai, sabendo da doença, decidiu revê-lo.

Ouvindo o barulho das ferraduras do cavalo de Genardo, Reinardo olhou ao horizonte, deu um tiro para cima. Genardo alterado vinha com a adaga na mão, gritando.

Vendo Genardo chegar na corrida, a filha levantou o rifle e atirou. Inalterado, Genardo aumentando o galope. Mirada, Genardo levantando a adaga. O gibão aumentando de tamanho, a filha espairando até o momento certo. A dimensão do cavalo já cobria a de Reinardo, quando se ouviu o tiro e Genardo segurando a rédea com a mão direita, o corpo caindo e a filha, sem apertar o gatilho.

Genardo caiu aos pés de Reinardo, que apertou o gatilho.

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