15 de setembro de 2011

O ÚLTIMO DIA EM CASA

Passou algum tempo olhando as estrelas. Estava num lugar escolhido, pedaço mais escuro de uma rua na direção de sua casa e não se deixaria levar pela pressa cotidiana de chegar logo em casa. Desta vez saberia ignorar a sua inquietude e chegaria sereno e, quiçá solene.

Sempre que avistava a imensidão do céu noturno se perdia no tempo, no espaço e nas coisas ao seu redor. O céu reluzente segurava estrelas brilhantes e ele a pensar novamente no seu plano, praticando-o mais uma vez na mente.

Havia um perfume desconhecido que saía de um canteiro, lembrando uma fragrância doce. Bastava.

Quando chegou em sua rua olhou novamente para o alto, à sua volta, contornando com sua cabeça o pedaço do céu que pôde avistar, querendo ver mais do céu enquanto caminhava. Chegando em casa, pegou no bolso da calça o molho de chaves e abriu a porta de entrada. Subiu os andares sem pressa.

A sensação de se haver perdido naquele espaço que habitava há alguns anos, sem saber qual direção tomar, o que fazer o angustiava. A vida era tão pouco e ele queria mais. Não era liberdade, mas o caminho até lá era a liberdade. Era estranho, afinal de contas a liberdade se mesclava com o seu desejo real, amalgando-se em uma só coisa. Ele se questionava: como fôra chegar a essa dualidade? Quem soprou em sua cabeça a idéia de querer entrar num trem ao longe?

Ao notar que suas idéias se tornavam cada vez mais complexas, turvando-se, e que isso aumentava a sua confusão, podendo chegar a acarretar mais uma de suas convulsões, fugiu delas. Achou melhor deitar-se até que essa sensação nauseante passasse.

Havia sido uma semana cansativa e era preciso acalmar-se para poder se preparar para o plano. Tomou um tranquilizante e ao chegar ao sofá, avistou um livro sobre a mesa, tomou-o em mãos e começou a ler: “A noite passada sonhei que fui a Mardeley outra vez.” Deitou o livro. Foi arrumar a sua mala. Para isso, colocou-a sobre o sofá, único móvel na casa neste instante. Foi então que ele notou estar na casa vazia. Paredes, salas e quartos vazios. Nenhuma escrivaninha. Desligou a geladeira, não havia nenhuma razão para deixá-la ligada.

“O que me fez procurar aquilo que eu não conheço acima de tudo? Onde nasceu essa procura, que autarquicamente me compele todos os meus movimentos e escolhe a direção de minha vida, como um ditador? Negação de coisas provadas no passado?” Encadeando perguntas, sentiu que a curiosidade perdia seu brilho e enfraquecia até quase desaparecer, continuando a existir como um fio, havendo-se tornardo muito fraco o eixo que o pensamento fazia de uma idéia para a próxima. Dormiu.

Caminha languidamente. Sai da casa. Foi sem responder. A casa perguntava com a voz de sua ex-mulher: aonde vais?  Fez de conta que era história conhecida, fugiu da realidade mais uma vez, pela última vez. Seu trem partiu da estação às 13:32, com cerca de uma hora de atraso: por causa de mais um suicida sobre os trilhos.

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