Burdon era mago de verdade e
tinha a solidão como par. E nada mais queria. Trabalhar lhe dava o dinheiro
necessário para poder ser mago. Achava importante enriquecer e gostava de estar
de noite na cidade. Assim como se recolhia nos bosques de dia.
Naquele dia o mago saltou do
metrô e saudou: „Olá, como vai? E John? Mande recordações a ele, sim?“
A reação atônita da pequena
Marjorie, a promessa de dar as lembranças, a porta do metrô fechando-se, este
continuando sua rota: tudo isto aconteceu diante das reverências exageradas de
Burdon, cartola na mão, na qual seu coelho aparecia.
Era dia de apresentação, ele
pensou. A casa estaria lotada. O mago estudara os truques e para o caso de
esses não darem certo, guardara outros números rápidos para executar com o
coelho. Magia verdadeira sempre vinga, pensou.
Na vista mareada se misturavam
as últimas cenas com as coisas sem importância que passavam no túnel
subterrâneo do metrô. Burdon! Ela se lembrou de seu nome e acordou do sonho que
sonhava acordada. Lembrou-se então dos detalhes: há um mês atrás, no pub, troca
de olhares. Bebiam vinho de maçã junto aos amigos. Quando a terceira rodada de
copos vinha no antebraço musculoso da garçonete, o coelho saltou da cartola de
Burdon, ganhando os aplausos de todos. Os ruídos das mesas cheias cobriam suas
vozes. Ninguém reparou nos dois. Mais tarde um grupo de jovens alcoolizados
seria visto saudando-se com muita festa. Entre eles, Burdon e Marjorie. A
risada alegre dela ecoava pelas aléias e pátios marrons. Bem-querer, e os
corpos dançando à luz noturna. E hoje, o que sobrou disso tudo? Recordações a
John! Mal sabe esse mago idiota que John nunca foi meu namorado! Ah Marjorie! A
indecisão era maior que tudo em Burdon!
Era manhã e ele estava numa
padaria a tomar o desjejum. Ela o viu se chegar como um fantasma. Vendo
Marjorie passar, cumprimentou-a: „Olá? Onde vai? E John?“ Depois de um momento
ela disse ser impossível falar de John, não seria sua companheira, nem nunca
havia sido. Burdon pediu desculpas emudecendo. Não gostava de diálogos e deixou
Marjorie. Fugiu, sem nada dizer. Era de manhã. Marjorie foi vista atrás dele. Talvez
uma sombra matutina distante dele, por entre pátios universitários e árvores
grandes? Ela fazia jogatinas sobre qual direção ele tomaria. Via o coelho chamando.
Poemas arpejavam em melodias douradas pelas sombras e nuanças de dias de sol
vividos em jardins ingleses.
De tanto brincar, numa esquina
perdeu o amado. Já era tarde quando sentiu mais uma vez que o amava. O mago,
invísivel, proclamou que viveria sempre à noite e desejou que Marjorie fizesse
magia neste estilo longe dele. Sentenciou a si, que magia não combinava com
amor e que ademais amor só atrapalha o artista que se prezava. Ela nem
procurava mais e ficou no seu canto, a chorar: de ofegante a sua respiração se
tornou lenta, indiferente.
Sonhos e realidade se mesclavam
sem mais haver diferenças. Ela não sabia mais se era amanhecer ou fim de tarde
quando o havia visto pela última vez. Não sabia onde foi que se desencontraram.
Não pensava nem na razão. Ela era só vontade. Às vezes revolta.
Holofote girando na apresentação
do grande mago Burdon! Entraram os passos estudados, suas mãos estavam rápidas
e sagazes, seus movimentos não podiam ser desvendados. Nos primeiros números,
apesar do nervosismo, tudo correu bem. Então no quinto número um pequeno
imprevisto. Depois um escorregão. O mago percebeu que praticamente todos da
fileira da frente o notaram e, perplexo, apelou para os “truques do coelho”.
Sempre dão certo!, pensou. Mas desta vez, ó azar, qual foi a sua perplexidade,
não achando o pequenino na cartola! A magia lhe disse adeus e a platéia era só
vaias. Logo ouviu as queixas do chefe e se foi. Pro olho da rua, seu mago de
meia-tigela!
No quarto de Marjorie pedras
perfumadas, sutil iluminação new age e trilha sonora de desenhos animados. O
coelho demorou a ser reconhecido, parecendo se esconder na parede de bichos de
pelúcia. Por fim conseguiu chamar a atenção, mordiscando Marjorie. Saiu janela
afora e ela o seguiu pelas travessas e ruas de Soldempdon, dentro do metrô e
ônibus, o povo a chamando louca-olha-por-onde-anda, até chegar num bosque.
Era meio-dia e numa clareira Burdon
lamentava a perda do coelho, quando a reconheceu. Ela se deitou e o arranjou sobre
seu ombro. Tocaram as mãos sem apagar a luz do sol. Apenas uma cornucópia
cresceu em ramos sobre suas cabeças.
Revisão Vana Comissoli.
Todos Direitos Reservados ao Autor Udo Baingo.
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