Acima da porta de moradas esparsas pelos vilarejos interioranos, depois em letreiros coloridos nas casas de samba e, finalmente, em postes da cidade e nos homens-sanduíches se lia a grande novidade: A VACA TOSSE!
Ela, entretanto, não havia escolhido. Esclareceu ao doutor na consulta: "Começou com um pigarro, a garganta ficou seca, coçou, e assim a tosse começou."
Lembrando-se do provérbio popular, todo mundo logo achou que não era normal. Agora não havia mais como falar "nem que a vaca tussa". Era só esperar um pouco e ela estaria tossindo e a convincente retórica que protegia de pedidos inexaustíveis estaria diluída, deixando brechas para os chatos. Sem a vaca que não tosse, tudo ficaria mais difícil.
Muita coisa teria de ser repensada: afirmações voluntárias, como "não vou tomar Kaiser nunca mais nem que a vaca tussa!", "não vou ao pic-nic com a sogra no domingo não. nem que a vaca tussa!" ou mesmo "não levo o lixo para fora durante o jogo do Mengão mas-nem-que-a-vaca-tussa" se tornaram dúbias. O mundo das possibilidades mudou e isso criou uma tremenda confusão.
Uma vez que a vaca tossia sempre mais, foi proposta a seguinte mudança de convenção: "se a vaca tossir de novo, eu vou...". Era carta-branca para os malandros. Os mais precavidos, que abriam epístolas de seus antigos amores à noite, começaram a evoluir e apaixonaram-se por novas mulheres, que entretanto usavam o antigo adágio "nem que a vaca tussa". Fora isso, a gente normal foi com toda a sede ao pote. Era se ouvir vaca pigarrear, que alguém já aprontava. Foi um Deus-nos-acuda. Tossir e trair, é só começar...
A bem da verdade, todas as paixões por mulheres que ainda criam que a vaca não tossia foram generosas. Mas acabaram tristemente:
"- Ainda a vaca não tosse, mas é melhor acabar."
"- Acabar o que? Com a tosse?"
Quando enfim uma crise de bronquite aplacou-se, a produção de leite mingou e alguém apontou para aquela que tossira primeiro. Como numa metamorfose ambulante, ela virou o bode expiatório da história.
Chamada a um pronunciamento, difusão em cadeia nacional, a vaca decidiu revelar o seu maior segredo:
"Quando comecei a tossir, foi involuntário. Hoje porém, quando acontece, já prevejo tudo."
Não bastando, a vaca revelou outro segredo:
"Tenho saudades do pasto quando estou sobre ele."
Surpresa por falar algo tão íntimo frente a pessoas desconhecidas, porém, ela teve uma terrível crise fingida de tosse, caindo desmaiada.
Toda a gente se pôs a pensar, mas a maioria continuou a agir sem pensar mesmo. Até que poucos dias mais tarde ela foi encontrada morta em meio a uma pilha de barbitúricos e anti-depressivos. Depois disso todos quiseram comprar os discos da vaca (que aliás era cantora de soul) e está explicado porque o Pink Floyd lançou um disco com uma vaca na capa.
2 comentários:
Nada de assassinato, ela se engasgou. Afinal, com tanta baba, tosse pode ser motivo de acidente fatal. Ou entao a vaca era louca, mas companhias, uma vida desregrada, cheia de vícios, tabagismo entre eles. Mas para nao ser injusta, podia ser também uma gripe mal curada até pneumonia afinal, ela acabou morrendo. Acho interessante também vasculhar na pasto resquícios da noite anterior, sabe? tipo: dar nome aos bois. Bj, E
Excelente: já sou, mesmo, teu leitor de carteirinha!!!!!! Bola pra frente e continue com toda esta criatividade, reprimida, ou nao e nao te importe se falarem depois que, no teu caso, "só Freud explica!!!!!
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