25 de novembro de 2008

No Hai Long


No restaurante HAI LONG, ali na Schlossgasse, continuação da Oberlauengasse, à espera do prato escolhido a dedo por ser barato, de frango e não ser sopa (era massa com peito de frango e broto de soja e custou 3 euros) presenciei uma cena e me veio um sentimento forte de querer ser cronista. E uma sensação de não estar presenciando algo que fosse acontecer mais vezes. Por isso, fiquei tranquilo, imóvel, e fiquei assistindo. Assim posso me referir a esse acontecimento de hoje, pois estava com o melhor lugar para isso: o camarote.
Estava na minha atual normal (!) situação (!), mirando para o lado de fora através do vidro na fachada do local citado acima, quando reparo num casal, que parecia muito normal. Ele, barba, jeito de turíngio, loiro com certa tendência para castanho dourado, aquele tom de floresta. Ela, marca registrada: olhos um pouco saltados, rosto branco de frio. Ambos agasalhados para o inverno que chegou cedo.
Parece-me que eles param de falar algo bastante diário, como que se preparando para se dizerem um adeus bastante trivial, quando ele começa a falar e eu, na minha posição cinematográfica, noto que ela está esbugalhando mais seus olhos.
Pelo restaurante o cheiro de curry tailandês se proliferou quando dois asiáticos ao meu lado receberam os seus pratos. Numa nuvem de leite de coco, presenciei a conversa tomar um rumo bastante sentimental. Ela fica entre decepcionada e sentimental. Não parece ser alegria. O tempo mórbido que tem feito e esse par ainda me vem com tristezas pra rua, ainda mais fazendo apresentação pra "moizinho aqui"?? O que terá ele dito? Que sairá novamente de viagem e ficará durante o Natal no trabalho? Que irá pela quinta vez consecutiva para a casa de sua mãe, que mora sozinha desde o falecimento do seu pai, idem no Natal? O asiático ao meu lado coloca uma colher de pimenta inteira sobre a carne, pato. O outro asiático, alemanizado, se ri e sente náuseas só de ver a pimenta.
O intimismo da conversa do par parece dar espaço para uma sessão-carinho: eles se encostam os seus rostos um no outro. Eu penso: o que, ele está grávido? Foi isso que ele falou? O carinho parece fazer bem e doer ao mesmo tempo. Talvez uma negativa: a gravidez não deu certo novamente. Mas por que ele deu o recado? E aliás, não é a mulher que fica sabendo isso primeiro? Que diabos ele disse pra ela? Que ele perdeu a senha do cofre de casa, onde se encontra todas as suas jóias? Reparo no jeito como se acarinham. Parecem um tanto tortos, desacostumados. Serão talvez irmãos ou primos distantes? Amantes que nunca dormiram juntos?
Duas moças abrem a porta e nisto tento ouvir as vozes do par. O frio entra e fico tentando escutar algo. Ouço saudações de clientes saindo e de outros que vão entrando. Não chega a mim nenhum tom dos dois lá fora. A porta se fecha e joga uma brisa gelada em mim.
O par parou de se tocar as faces. Não reparo nas mãos, talvez ainda estejam se tocando os dedos, mas nada que fosse importante. Agora é a vezes dos olhos. Que expressão! O rosto da mulher mostra algum tipo de tristeza e um ar de desmerecimento. Ele, por sua vez, que rosto! Pensava primeiro ter dominado a situação. Mas uma pontinha sua parece dizer: ainda não foi tudo, ainda deixo algo por contar. Fico aguardando.
Mas de repente, ela se despede, como que para aliviá-lo. Quer ajudar ele a sair dessa meia-mentira ou meia-verdade, deixando-o sozinho. Na verdade ela se cansou de ver esse cara se sentindo mal, mesmo que a tortura só tivesse durado uns poucos segundos. Ele se despede um micro-segundo depois de ela ensaiar saída. Quando ele diz adeus ou algo que o valha, ela olha para trás, um rosto de quem se sente mal pelo que ouviu, como alguém que gostaria de xingar e não xingou, por estar na rua e sentir vergonha - testa frisante. Como um garçom que se esforçou, mas não recebeu gorjeta, ela sai a pé.
Ele fica ali, do lado de sua bicicleta, pensando no que aconteceu. Olha para dentro do HAI LONG e cá estou. Eu o fito na mesma posição na qual eu presenciei toda a cena: com os dois indicadores levantados sobre os lábios. Ele me vê e se ri um pouco sem jeito. Eu rio entre dedos e dentes. E vejo ele ir.

Um comentário:

Camila Fernandes disse...

Escritores são mesmo uns bichos malucos. Não podem ver qualquer cena do cotidiano que já começam a espionar, destrinchar e imaginar mil caraminholas e subtramas.

Ah, não se preocupe, escritoras também são esses bichos... rs!